Manoel Messias de Sousa, Administrador. Professor da UECE aposentado.
Ex Diretor Executivo do IEPS/IEPRO - UECE.Ex Reitor do Centro Universitário
Católica de Quixadá. Membro da Academia Cearense de Administração.
Na década de 1990, no curso do denominado governo das mudanças no Ceará, iniciou-se uma forte mobilização dos setores organizados: governo do Estado, classe empresarial, sociedade civil organizada e as próprias universidades, na busca de definição de um novo modelo de gestão para as Universidades Estaduais do Estado do Ceará. Tudo girava em torno do denominado Contrato de Gestão, uma experiência já testada em algumas universidades do Sul e do Sudeste do país.
Os debates e reflexões sobre o novo modelo de gestão, uma verdadeira quebra de paradigma, fez aflorar grandes ressentimentos, mágoas, reações e defesas do "status quo" no âmbito das instituições de Ensino superior estatais e das entidades políticas organizadas. O entendimento, intra corpus nas IES públicas, era à subtração da autonomia das universidades e o domínio das suas ações pelo poder público estadual. Acrescia-se a este desiderato à preocupação de que o modelo proposto viesse de instituições de regiões privilegiadas, centradas em estratos culturais, bem diversos do nosso.
O modelo de Contrato de Gestão não era algo desconhecido na cultura brasileira. Entretanto, o seu contexto obriga as organizações parceiras à adoção, em grande parte e naquilo que não fere à legislação, uma gestão mista inspirada nos princípios, estratégias e processos administrativos empresariais, tudo traçado no respectivo Contrato de Gestão.
Repensando o desenrolar das reflexões e debates da época e considerando as naturais reações, abrangência e complexidade do tema, não me ocorre pensá-lo simplesmente pelo ângulo operacional, muitas vezes inspirado por ideias emanadas de interlocutores perfunctórios que veem o assunto isolado do contexto interno das IES, formando juízos equivocados da performance da instituição e da logística acadêmica e administrativa da universidade.
Somos sabedores que à velocidade das mudanças e o surgimento de novas técnicas de informática, coadjuvadas pelas novas ferramentas de gestão, vem destruindo os antigos conceitos, premissas e modelos de Gestão Escolar, inclusive do Ensino Superior, forçando novos alinhamentos estratégicos nos modelos acadêmicos e de administração das organizações educacionais públicas e privadas.
À época o governo estadual e o setor produtivo estavam bastante incomodados, diante dos desafios e das demandas da sociedade, em relação à formação profissional do século XXI. As organizações não governamentais, também, buscavam novos caminhos rumo aos novos paradigmas.
Nesta perspectiva as universidades não podem distanciar-se destes fatos, muito pelo contrário, elas devem ser agentes de vanguarda com visão proativa, questionando os modelos de sociedade, as posturas sociais, à produção e reprodução de conhecimentos, as ideologias emergentes, os valores culturais, etc. As universidades devem ser protagonistas não somente na construção e difusão do conhecimento e da tecnologia. Por sua dimensão, as universidades não podem fechar-se somente na logística educacional interna. Seus propósitos e foco devem ser em eficientes processos educacionais e de pesquisas, coadjuvados por modelos estratégicos de gestão com sustentabilidade. Nunca devemos esquecer que o conhecimento acadêmico deve ser à cola que une as fronteiras do saber com as universais e legítimas demandas da sociedade.
Na época era imperativo que o estado democrático reinventar se constantemente. Ainda hoje, os recursos são escassos. As demandas por recursos são infinitas. As reivindicações sociais são incomensuráveis. À geração de recursos públicos depende do crescimento da economia e é algo lento e sempre questionável. Os interlocutores das mudanças viam que as universidades privadas estavam ostentando grandes sucessos no cenário educacional brasileiro e que tal sucesso era sinal claro de que as filosofias, premissas, estratégias e processos da iniciativa privada, poderiam colaborar comas universidades públicas, na busca de modelos de gestão moderna, alinhados a eficiência, eficácia, efetividade e sobretudo com foco em resultados para a sustentabilidade.
Entretanto, os atores das universidades defendiam que as mudanças do modelo de gestão das universidades públicas não deveria ser exógena. É preciso reacender no interior das instituições o desejo, demudança, cooperação e diálogo descomprometido. Romper com os velhos paradigmas da formação cartorária e da consolidação dos grupos políticos, em defesa de líderes e de grupos, na maioria das vezes, com interesses adversos aos da comunidade e da própria instituição.
À mudança para ser real precisa vir de dentro, fruto de um pacto construtivo onde todos tenham voz e vez. Deve ser alimentada pela confiança, cordialidade, credibilidade, diálogo efetivo, não discriminando pessoas ou grupos. Com propósitos positivos e confiáveis. As mudanças em instituições universitárias demandam uma forte parceria com a comunidade interna e com a sociedade organizada: agentes governamentais, partidos políticos e com o setor produtivo.
Quanto ao nosso pensar inicial, o Contrato de Gestão passa em primeiro lugar por um amplo repensar as universidades através da implementação de um rigoroso planejamento estratégico, institucional e acadêmico para um período de cinco há dez anos. Trata-se de um processo de reinvenção, alicerçado em interpelações e reflexões sobre à instituição em todos os seus matizes:
1- Qual à universidade? 2- Qual à universidade que queremos? 3- Onde de fato elas devem ser localizadas? 4- Quais as demandas da sociedade em relação ao saber, à pesquisa e as profissões? 5- Onde estas demandas são emergentes? 6- Em que áreas as universidades estaduais são excelentes, hoje? 7- Onde as universidades estaduais são complementares? 8- As universidades estaduais estão dispostas a se reinventar? 9 - O Governo estadual tem consciência da importância do papel das universidades públicas na sociedade? 10 - O governo estadual está disposto a fazer uma parceria de Contrato de Gestão, nos moldes do Ganha x Ganha, fortalecendo, assim, as parcerias para o engrandecimento das universidades públicas? As administrações e as lideranças das universidades estão dispostas a sair da retórica e da lógica do ganha x perde, viabilizando uma discussão produtiva que viabilize mudanças fundamentais nas instituições?
Parece-nos que à viabilidade de mudanças neste porte, em entidades científicas e culturais como universidades, exigirão uma longa caminhada - uma reflexão profunda e uma disposição arraigada para mudanças, desatrelada das engrenagens culturais e sociais que regem, hoje, estas instituições.
Além do mais as universidades, para aderirem ao modelo de Contrato de Gestão, demandam um alinhamento estratégico eloquente entre o academicismo, o administrativo- financeiro e à logística demandada. O instrumento primeiro seria um eficiente planejamento estratégico para um período de 10(dez) anos. Em seguida à construção de um Plano de Desenvolvimento Institucional e Desenvolvimento Pedagógico para o mesmo período. Estes instrumentos de gestão visão explicitar os reais propósitos, objetivos, estratégicos e processos acadêmicos e gerenciais da instituição, projetando os fluxos de receitas, despesas e investimentos, além das suas diretrizes de excelência do ensino e pesquisa com foco na sustentabilidade de longo do tempo.
As reações das universidades à época, mobilizando a comunidade acadêmica e à opinião pública, à pouca experiência dos agentes governamentais em assuntos de tamanha complexidade, fizeram o governo recuar do propósito, acalmando, assim, à comunidade universitária e os partidos políticos que assumiram a bandeira contra as mudanças.
À indagação que fazemos hoje é: diante das aceleradas mudanças tecnológicas e do ensino superior da atualidade, inclusive as perspectivas para o futuro, há espaço para se repensar a administração universitária pública estadual, através do contrato de gestão ou algo diferente do modelo atual que esvazia e humilha as próprias instituições?
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